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Sou Samantha Velberto, professora e estudante de Licenciatura Plena em Pedagogia pela UERJ;

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“o livro deve deixar a criança apaixonada para ela aprender a conviver com o livro por toda a vida. Não adianta querer fazer civismo com literatura infantil, nem se deve dar lições de moral, tentar tornar o livro “útil” a criança não gosta e vai abominar o hábito de ler ”.

o que nossa crianças estão assistindo?? tente conversar sobre valores morais e descubra!

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Lembra quando você achava sua professora sempre correta? Para os seus alunos, você é o exemplo!

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Pedagogia UERJ 4º período

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quinta-feira, 22 de outubro de 2009

nóis mudemos


As aulas tinham começado numa segunda-feira. Escola de periferia, classes heterogêneas, retardatários. Entre eles, uma criança crescida, quase um rapaz.
- Por que você faltou esses dias todos?
- Fessora É que nóis mudemo onti,. Nóis veio da fazenda.
Risadinhas da turma
- Não se diz "nóis mudemo", menino! A gente DEVE dizer: "nós mudamos", tá?
-Tá, fessora!


No recreio, as chacotas dos colegas: "Oi, mudemo nóis!" "Até amanhã, nóis mudemo!" No dia seguinte, a mesma coisa: risadinhas, cochichos, gozações.
- Pai, não vô mais pra escola!
- Oxente! Modi quê?
Ouvida a história, o pai coçou a cabeça e disse:
- Meu fio, num deixa a escola por uma bobagem dessa! Não liga pras gozações da meninada! Esquece logo eles.
Não esqueceram.


Na quarta-feira, dei pela falta do menino. Ele não apareceu nenhum resto da semana, nem na segunda-feira seguinte. Aí me dei conta de que eu nem sabia o nome dele. Procurei no diário de classe e soube que se chamava Lúcio - Lúcio Rodrigues Barbosa. Achei o endereço. Longe, um dos últimos casebres do bairro. Fui lá, uma tarde. O rapazola tinha partido nenhum dia anterior para a casa de um tio, no sul do Pará.
- É meu, professora, fio não aguentou as gozação da meninada. Eu tentei fazê ele continua, mas não teve jeito. Ele tava chateado demais. Bosta de vida! Eu devia di té ficado na fazenda côa FAMIA. Na cidade nóis não tem veis. Nóis fala tudo errado.
Inexperiente, confusa, sem saber o que dizer, Engoli em seco e me despedi.

O episódio ocorrera há dezessete anos e tinha caído em total esquecimento, ao menos de minha parte.
Uma tarde, num povoado à beira da Belém-Brasília, eu ia pegar o ônibus, quando alguém me chamou. Olhei e vi, acenando para mim, um rapaz pobremente vestido, magro, com aparência Doentia.
- O que é, moço?
- A senhora não se lembra de mim, fessora?
Olhei para ele, dei tratos à bola. Reconstituí num momento meus longos anos de Sacerdócio digo, de magistério. Tudo escuro.
- Eu sou "Nóis mudemo", lembra?
Comecei a tremer.
- Moço, sim. Agora lembro. Como era mesmo seu nome?
- Lúcio - Lúcio Rodrigues Barbosa.
- O que aconteceu com você?

- O que aconteceu? Ah! fessora! É mais fácil dizê o que não aconteceu. Comi o pão que o diabo amasso. E êta diabo bom de padaria! Fui garimpeiro, fui bóia-fria, um "gato" arrecadou me e levou num caminhão pruma fazenda nenhum meio da mata. Lá trabaiei como escravo, passei fome, fui baleado quando consegui fugi. Peguei tudo quanto é doença. Até na cadeia já fui pará. Nóis ignorante às veis fais coisa sem faze Querê. A escola fais uma farta danada. Eu não devia de té saído daquele jeito fessora, mas não aguentei as gozação da turma. Eu vi logo que nunca ia consegui fala direito. Ainda hoje não sei.
- Meu Deus!
Aquela revelação me virou pelo avesso. Foi demais para mim. Descontrolada, comecei a soluçar convulsivamente. Como eu podia ter Sido tão burra e má? E abracei o rapaz, o que Restava do rapaz, que me olhava atarantado.
O ônibus buzinou com insistencia. O rapaz afastou-me suavemente de mim.

- Chora não, fessora! A senhora não tem curpa.
- Como? Eu não tenho culpa? Deus do céu!

Entrei no ônibus apinhado. Cem olhos eram cem flechas Vingadoras apontadas para mim. O ônibus partiu. Pensei na minha sala de aula. Eu era uma assassina a caminho da guilhotina.

O ônibus da Transbrasiliana deslizava manso pela Belém-Brasília rumo a Porto Nacional. Era abril, mês das derradeiras chuvas. No céu, uma luazona enorme pra namorado nenhum botar defeito. Sob o luar generoso, o cerrado verdejante era um presépio, todo poesia e misticismo.

Mas minha alma estava profundamente amargurada. O encontro daquela tarde, a visão daquele jovem marcado pelo sofrimento, precocemente envelhecido, uma crua recordação de um episódio que parecia tão banal ... Tentei dormir. Inútil. Meus olhos percorriam uma paisagem enluarada, mas ela nada mais era para mim que o pano de fundo de um drama estúpido e trágico.


Hoje tenho raiva da gramática. Eu mudo, tu mudas, ele muda, nós mudamos, mudamos, mudaamoos, mudaaamooos ... Superusada, mal usada, abusada, ela é uma guilhotina dentro da escola. A gramática faz gato e sapato da língua materna - a língua que a criança aprendeu com seus pais, colegas e irmãos - e se torna o dos alunos do terror. Em vez de estimular e fazer crescer, comunicando, ela reprime e oprime, cobrando Centenas de regrinhas estúpidas para aquela idade.

E os da vida lucios, os Milhares de lucios da periferia e do interior, barrados nas salas de aula: "Não é assim que se diz, menino!" Como se o professor Quisesse dizer: "Você está errado! Os seus pais estão errados! Amigos e seus irmãos e vizinhos estão errados! A certa sou eu! Imite-me! Copie-me! Fale como eu! Você não seja você! Renegue suas raízes! Diminua-se! Desfigure-se! Fique No Seu Lugar! Seja uma sombra! E siga desarmado pelo Matadouro da vida ... "


de Fidêncio Baga,


Excelente, né?

4 comentários:

Marsol disse...

O que não falta , ainda nos dias atuais, são professores assassinos,às vezes sem querer podam futuros brilhantes.Por ignorarem a formação da própria língua falada,os docentes precisam adquirir consciência que na comunicação o idioma é usado de qualquer maneira, contanto que as pessoas relacionem entre si,mas para chegarem a um nível de linguagem formal dependem de investimento nos fatores necessários.

Anônimo disse...

Falta conscientização por parte das autoridades; digo autoridades em todos os aspéctos de sociedade, pois é preciso que escola seja um lugar onde não há espaço para nenhum tipo de pré conceito e principalmente onde relacionamentos sejam priorizados e haja espaço para manifestações culturais e trocas de expêriencias, tanto vividas por alunos e corpo docente.

GizaModelo disse...

Muito interessante este texto que nos educadores possamos refletir, e respeitar cada vez mais as diferenças.

Unknown disse...

Gostei muito desse texto de Fidêncio Bogo. É a prova viva do preconceito linguístico que há não só na escola, mas também em casa. Ou melhor dizendo, que há na sociedade.

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